segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

"Propriedade", Valerie Martin


 
Sinopse

Este pequeno livro não chega a duzentas páginas, mas consegue ser marcante. É narrado pela protagonista, Manon, a mulher do dono de uma plantação de cana-de-açúcar no Louisiana de 1828. O facto de ser um livro centrado no tema da escravatura contado a partir da perspectiva de uma esclavagista foi o que o tornou tão interessante. Tal deixa o leitor "no olho da tempestade", a par de alguém que foi educado também numa plantação, que desde que nasceu é servido por escravos negros, que assume serem seres de natureza inferior e amoral sem nunca o questionar. Assim, damos por nós a acompanhar a acção a partir da sua forma de pensar, e deparamo-nos com diálogos sobre a venda e o preço de seres humanos como se assistíssemos a um diálogo natural entre vendedores de gado.
Não quero com isto comentar que Manon é uma personagem repulsiva, com quem antipatizamos facilmente. Ela é como é, porque era dessa maneira que a sociedade em que vivia se regulava e termos noção disso consegue dar-nos um murro no estômago.
A protagonista, no entanto, é uma mulher egoísta e infeliz. Vê o marido como um homem grosseiro, com quem mal consegue manter uma conversa ou mesmo qualquer contacto físico, até porque ele tem "o desplante" de manter como amante a própria escrava pessoal da esposa, Sarah. Para piorar a situação da protagonista, não gerou filhos dentro do casamento, mas na relação extra-conjugal, e Manon ainda se vê a braços com as críticas da própria mãe. Se há algo que deseja é ser independente, livre.
Assim, temos em braços duas mulheres que aspiram à liberdade. Porque não podemos esquecer que se os escravos são "propriedade" do dono, também à sua maneira a esposas o é, e mal tem direito a usufruir à sua própria "propriedade". No caso do falecimento de um parente, não ia logo a sua herança parar às mãos do marido, que muitas vezes a podia escoar rapidamente?
No livro, para além da história da protagonista, temos vislumbres sobre Sarah, contados numa espécie de "metatexto", porque a escrava não tem uma voz própria. É nas referências que Manon e outras personagens vão fazendo que percebemos qual é a vontade dela, o que também se torna interessante, porque da mesma forma que os "patrões" não compreendiam o que pensavam os seus "negros", também o leitor é mantido nessa perspectiva.
Achei "Propriedade" um bom retrato da sociedade do local na época e gostei muito da forma como está escrito. Valerie Martin consegue envolver o leitor na atmosfera do lugar apelando aos nossos cinco sentidos de forma que também ouvimos os passos pesados dos batedores nas escadas, e ainda nos presenteia com uma protagonista que nos deixa divididos. Não consegui deixar de sentir compaixão por ela, ao mesmo tempo que torcia por Sarah, por quem Manon fica obcecada.
Recomendo-o!

Já conheciam o livro? Qual é a vossa opinião?

Boas leituras!


 P.S.: Deixo uma pequena curiosidade sobre uma coincidência. Li este livro para completar a categoria de "romance de época" do nosso Desafio Inverso. Planeei ler para completar a segunda categoria, "livro passado no futuro", o "Órix e Crex", de Margaret Atwood. Bem, não é que numa nota final a Valentine Martin dedica este livro a Margaret Atwood? Fiquei atónita! São amigas, pelos vistos...
 

8 comentários:

  1. Olá!
    Adoro esse livro! A escrita da autora é soberba. Gosto mesmo muito.

    Boas leituras!

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    1. Olá, Denise,
      Agora eu também. Fiquei muito bem impressionada :D é, eu li-o devagar porque dava por mim a parar a leitura a meio só para apreciar frases ou para pensar no que estava a ler. É mesmo muito bom :D

      beijinhos e boas leituras

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  2. Não conheço a autora, mas tenho lido alguma coisa sobre essa fase da história americana e na consequente guerra da secessão. Há vários autores americanos que têm escrito/descrito muito bem "esses tempos", como por exemplo W. Faulkner.
    Interessante o livro ser dedicado a Atwood, de quem li o livro "Ressurgir".

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    1. Olá, Margarida,
      Tenho muita curiosidade por esta parte da história americana, pelo conflito de interesses que se desenhava. Tenho de experimentar ler Faulkner.
      :D há coincidências muita engraçadas...

      beijinhos e boas leituras

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  3. Olá Su,
    Não conhecia nem o livro nem a autora mas parece ser bem interessante.
    Que engraçado ser dedicado à Atwood e esteres a contar ler um livro dela, que coincidência gira =)
    Beijinhos

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    1. Olá, Tita,
      Foi, muita gira :D acho que ias gostar. Se tiveres oportunidade lê-o que vale a pena.

      beijinhos e boas leituras

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  4. Olá Su,
    Não conhecia este livro, mas fiquei muito interessado em o ler.
    Gostei muito da premissa :)
    Obrigada :) mais um livro para a lista!
    Beijinhos e boas leituras

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    1. Olá, Isaura,
      Se tiveres oportunidade lê, que vale muito a pena :D as nossas whilist nunca diminuem...

      beijinhos e boas leituras

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