terça-feira, 5 de abril de 2016

"Ana Karenina", Leão Tolstoi

Este foi o meu livro de mesa-de-cabeceira dos últimos três meses. Agora tenho pena de ter deixado arrastar tanto tempo ao longo da leitura. Não digo que "Ana Karenina" foi uma má experiência, bem pelo contrário. As personagens conseguiam irritar-me, mas através delas o leitor pode tomar conhecimento de pontos de vista diferentes, o que é interessante. As cenas focadas em discussões de teor filosófico (e político, moral, religioso, etc.) tornaram a leitura mais lenta, mas, ao mesmo tempo, mais completa para percebermos o que estava em debate na época.
"Ana Karenina" é um grande livro em termos de realismo. Consegue conter uma boa crítica aos costumes da alta-sociedade da Rússia Imperial; a diferença entre a província e a cidade; e posso partilhar que também o considerei um livro sobre a busca da felicidade. Aquela a que aspiramos não marcará as nossas escolhas de vida? E a forma como procedemos para a obter não terá consequências?
Ana Karenina é esposa de Aleixo Karenine, um funcionário de altas honras do governo, e mãe de um menino. Bela e afável, é acarinhada pela sociedade, até iniciar um romance com o Conde Wronsky, jovem militar e "bon vivant", o que origina um escândalo previsível, tornando-a "indesejada" nos salões dos restantes. Com Wronsky é feliz, mas ao mesmo tempo, triste e culpada. Magoou o marido, mas ao afastar-se do filho também se magoa.
Para além da protagonista, ao longo do livro acompanhamos a busca de Levine pela sua felicidade, uma personagem que parece contrabalançar a descida de Ana. Proprietário de terras, prefere a estadia na província, longe dos preconceitos da sociedade, e detém-se em reflexões sobre as diferenças entre camponeses e aristocratas, a religião, a morte, a necessidade de escolaridade, etc. É apaixonado por Kitty, irmã de Dolly, a cunhada de Ana.
Esta última personagem assemelha-se ao arquétipo de uma esposa modelo. Foi - sempre, provavelmente - traída pelo marido, Oblonsky, mas evita ser levada pelas emoções e toma atitudes ponderadas, em prol dos filhos, principalmente. Como "uma boa esposa e mãe", são eles a sua prioridade como mulher. Já Ana, apesar da culpa que a assola pela relação extra-conjugal, é egoísta e emotiva, o que leva à decadência do seu "bom nome".
Ainda sobre as mulheres, achei curioso como são preferidas como seres ternos e religiosos, e assustador como é descrita a sua condição. Dividem-se entre a família e o que pretendem, tal como Kitty se subjugou à mãe num primeiro momento, por a princesa não ver Levine com bons olhos; e mesmo depois de casadas continuam sujeitas às condições do marido. Aliás, os próprios filhos pertencem ao marido - sejam dele ou do amante - o que torna as decisões da protagonista mais duras.
Por outro lado, dos homens espera-se poder social, e gostei da forma como é traduzida a vergonha de um homem que é traído e tenta manter as aparências para bem da sua posição.
No geral, as personagens perturbaram-me. Há as que anseiam pela riqueza e ascendem a postos cujo objectivo é desconhecido - os chamados "tachos" dos dias de hoje - e os que preferem jogo e "liberdade" a um casamento; e o que se designam como pessoas de "fé" e carácter e não temem intrometer-se na vida dos "amigos" com as suas "boas intenções" (se a Condessa Lídia se tivesse mantido longe de Karenine poderia o destino de Ana ter sido outro?).
Como retrato social, gostei de "Ana Karenina",para perceber não só ritos e costumes da época, como as ideias que eram discutidas. No início, parecia-me que as classes mais baixas eram vistas de forma demasiado simplória, mas não serão os seus comentários uma forma de ridicularizar a alta? Os camponeses chegam a ser invejados, por parecerem tão felizes mesmo durante o trabalho - sem o peso da "sociedade", talvez.
Apesar de ser um clássico - mais, um clássico russo! - o estilo de escrita mostrou-se mais simples do que esperava, e gostei de o ler. 

Já repararam como sabe bem ler algo que sabemos que tem qualidade? Até pode não ser um page turner; até podemos dar por nós desejosos de o acabar; mas sabe bem saber que sempre que lemos uma passagem, de algum modo, estamos a aprender. Gosto disso.

Sinopse

Já leram este livro? Qual é a vossa opinião?
Boas leituras!


7 comentários:

  1. Olá Su,

    Como sabes ando com esta leitura encalhada. E não, não é por não gostar do livro. É mesmo por causa da restante pilha por ler.

    Este livro também me surpreende pela forma que está escrito. Sendo um clássico russo, esperava algo com uma linguagem mais elaborada e que dificultasse a leitura, mas não. Excluindo as tais discussões mais políticas e filosóficas, a leitura até avança bem. E como referes, mesmo essas passagens mais "chatas" acabam por ser interessantes por nos mostrarem o que se falava na época.

    Também por causa dessa sensação de "aprender sempre alguma coisa" é que ainda não desisti da leitura. Se fosse outro livro, tinha-o posto na estante para me poder dedicar a outras leituras e voltaria a pegar-lhe quando tivesse mais tempo. Mas gosto do que li até agora e não quero guardá-lo.

    Bom, quero ver se consigo despachar a pilha para poder voltar a pegar-lhe em Maio.

    Já agora, obrigado pela opinião sem spoilers! Já podes riscar mais este da lista dos "100 livros a ler antes de morrer"

    beijinhos

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    1. Olá, Spi,

      Ohh, ora essa, de nada :D estive quase a escrever um deles, mas devemos ter comunicado telepaticamente e consegui resistir. Não somos obrigados a conhecer de antemão os finais dos clássicos, não é? :P
      Acho que vais gostar dele, ainda para mais se já estavas entusiasmada. É uma leitura compensadora, no fim de contas - e sabe bem tb saber que já o consegui ler!
      Aconselho-te a não colocar outra leitura a meio. Se calhar absorve-se melhor o ambiente (a não ser que sintas necessidade de algo mais leve).

      beijinhos!

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    2. Sugestão anotada. Quando lhe pegar vou tentar dedicar-me só a ele :)

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  2. Olá Su!
    Confesso que na altura peguei neste livro com algum receio, pois estava mesmo à espera de não gostar por ser chato. Mas a verdade é que gostei bastante. É certo que não gostei das personagens, mas gostei bastante da escrita e até da forma como o autor usou o enredo para criticar a sociedade russa.
    Foi a minha estreia com autores russos e vou querer mais!
    E fico contente por teres gostado =)
    Beijinhos

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    1. Olá, Tita,
      Concordo, também vou querer experimentar mais :D Também esperava algo bem mais complexo, mas até é fácil de se acompanhar. As personagens faziam-me revirar os olhos, mas acho que era essa a ideia do autor para acicatar os pares :P
      Obrigada!

      beijinhos

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  3. Já li há uns bons anos e é um dos livros que mais aprecio. Há muitas subtilezas nem sempre fáceis de encontrar. Tolstoi era genial na forma de apontar dedos à sociedade e Anna Karenina transformou-se numa das personagens mais memoráveis de sempre.

    Boas leituras!

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    1. Olá,

      Acredito :D sobre o que comentas, achei engraçado como critica até em simples diálogos entre personagens. Não me senti muito ligada ao livro (devia ter-me dedicado só a ele) mas gostei exactamente pela qualidade dele :D

      boas leituras!

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