Nestas páginas, Moisés Maimónides desvenda-nos a sua vida privada numa missiva dirigida a um seu discípulo europeu. Nasceu em Córdova em 1135, numa época em que na cidade coabitavam pacificamente judeus, muçulmanos e latinos, e viu-se exilado com a entrada na cidade dos almoadas, islâmicos fanáticos que se prestavam a conquistar a Andaluzia desde o norte de África. Sendo judeu, tinha duas opções para escapar à morte, a conversão ou a saída de Córdova, algo que a família preferiu fazer. Com o pai, o Rabi Maimon, e o irmão, David,irá viver em vários pontos do Mediterrâneo até se fixar na actual Cairo.
Moisés era o filho primogénito e como tal deveria seguir o caminho do pai que actuava como um Juiz sobre as questões da Lei judaica. Porém, interessou-se por medicina, foi discípulo de Ibn Rushd (conhecido hoje como Averróis) e chegou a tratar Saladino. Através do seu relato de vida e das trocas de pensamentos com quem se cruza pelo caminho tomamos também uma noção mais vívida do que era a Europa e o Médio-Oriente da época, o que mexeu comigo e me fez apreciar tanto esta leitura.
É sempre bom conhecermos uma personagem que na sua época, rodeado por tanto extremismo, conseguia pensar por si próprio. Na Península assistiu à destruição levada a cabo pelos almoadas, que veneravam o despojamento, mas não tinham escrúpulos em destruir conhecimento guardado por séculos na biblioteca já que para eles apenas a mensagem no Corão era a Verdade; no Médio-Oriente viu as más condições de vida dos judeus na própria terra dos seus antepassados tomada pelos ditos "Soldados de Cristo". Muçulmanos e cristãos tentavam tomar o mundo conhecido para si e o povo judeu continuava a Diáspora, atormentado por uns e pelos outros, e a tentar manter viva a identidade religiosa e cultural, mesmo que às escondidas.
Li "O Médico de Córdova" com uma certa revolta contra as guerras religiosas da época e em tudo o que acarretam, como os assassínios de inocentes e as conversões forçadas, que não passavam de uma forma de inferiorizar outro povo. É incrível o que a Humanidade consegue fazer com a desculpa de espalhar o nome do seu "Criador", e mais uma vez este livro pode ser uma chamada de atenção.
Adorei lê-lo. O estilo de escrita do autor pode chegar a ser intrincado, até pela abordagem de alguns temas mais filosóficos, mas é muito envolvente. "O Médico de Córdova" é, assim, daquele tipo de romance que nos espicaça e se mantém com o leitor. Leva-nos a reflectir e no final terminamo-lo com a sensação de que aprendemos mais um pouco sobre o mundo que nos rodeia. Passados tantos séculos continuamos com medo de ver a nossa liberdade de alguma forma limitada. Não estamos assim tão diferentes...
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Sinops |
Já o leram? Qual é a vossa opinião?
Boas leituras!
Nota: Este livro foi-me cedido pela Editorial Bizâncio para opinião, a quem mais uma vez agradeço.