domingo, 25 de março de 2018

"Uma Casa de Família", Natasha Solomons

Em "Uma Casa de Família" Elise Landau é uma jovem judia austríaca que, para escapar da ocupação nazi, é enviada para Inglaterra. Irá servir como criada em Tyneford, uma casa de campo de uma família inglesa antiga. Os pais de Elise pertencem ao círculo artístico de Viena, e a jovem, que cresceu num ambiente privilegiado, vê-se numa situação difícil. Não só tem de lidar com a dureza de um trabalho a que não estava habituada, enquanto sente saudades da família, como na verdade não pertence a nenhum dos lados da casa. Não é realmente um dos empregados, mas também não é uma hóspede de alguém com quem eventualmente se cruzaria durante a sua antiga vida. Ainda assim, Kit Rivers, o filho do patrão, não deixa de simpatizar com ela e criam uma amizade especial.

Com esta  premissa, o livro teria tudo para me agarrar, mas, infelizmente, a nível de "enredo" - se é que se pode dizer que tal existe a meio do livro - desiludiu-me. No entanto, vamos por partes.
A acção decorre numa época conturbada, e ler sobre alguém refugiado noutro país com poucas ou nenhumas notícias da família dói. Além disso, a guerra é capaz de alcançar mesmo o "refúgio campestre" que é aquela zona, e foi interessante ler sobre o dia-a-dia dos que aguardam pelo desenvolvimentos do conflito, enquanto se identificam acontecimentos como o resgate dos soldados de Dunkirk pelas embarcações inglesas
Gostei dessa ambientação de época e da voz narrativa de Elise. Natasha Solomons não é a querida Kate Morton, mas há que valorizar o esforço que fez para Elise nos contar a sua história e descrever a paisagem idílica de Tyneford. Só o primeiro parágrafo do livro é fantástico.
À parte isto, enquanto lia o livro não consegui colocar de lado a sensação de algo de errado se passava. Ou melhor, algo de "forçado". 
Para já, vamos sendo lembrados ao longo da leitura de que não estamos a lidar uma história feliz. Há sempre ali uma iminência de tragédia, mas tanta antecipação retirou o efeito surpresa quando a desgraça ocorreu de vez. Pelo menos, comigo foi o que aconteceu, porque ler acontecimentos imaginados por Elise que sei estarem ali apenas para baralhar um pobre leitor nem sempre resulta à segunda ou terceira vez...
Depois, senti-me aborrecida durante a leitura da segunda metade do livro, e não me parecia ser o suposto. Entretanto, quase no final percebi qual era o meu problema com ele. É o "enredo". Ou seja, até meio do livro, a protagonista vai reagindo aos acontecimentos que a rodeiam  e toma decisões que têm consequências - o que é esperado de qualquer protagonista, de qualquer história - e de facto fui impelida a ler, pois existia "uma história". Depois, simplesmente, "coisas acontecem", cenas do dia-a-dia aparecem, Elise lá vai tomando as suas decisões - do género de preparar um baile ou levar o almoço ao senhor Rivers - e pronto. 
Eu sei que é suposto o livro tratar sobre um romance, e não um mistério ou uma aventura. Por isso, é provável que o problema seja meu. Chegar ao final de uma sucessão de cenas só para ver se a protagonista se casa, ou com quem se casa, nem sempre me compele a ler - sem outro tipo de "plot" a envolver o casalinho, então, costumo achar dispensável - e a verdade é que o final me foi previsível. Bonito, sim, principalmente depois de me forçar a ignorar a sensação de "estranheza" sobre uma certa ligação amorosa que achei só "esquisita", mas previsível.
Com muita pena minha, "Uma Casa de Família" desiludiu-me, e acabei de o ler com a sensação de alívio de quem vê um cliente demasiado falador a sair da loja.

Sinopse

 E vocês, já leram o livro? Qual foi a vossa opinião?
Boas leituras!

terça-feira, 13 de março de 2018

"A Confissão da Leoa", Mia Couto

Em "A Confissão da Leoa" a aldeia moçambicana de Kulumani fica vulnerável ao ataque de leões e a administração política precisa de resolver tal problema. Arcanjo Baleiro, o "último caçador", é seleccionado para a caçada e regressa juntamente com um escritor, Gustavo, que pretende relatar o caso. Enquanto o leitor acompanha o diário do caçador, tem também acesso aos escritos de Mariamar, a irmã da última vítima dos leões, que se apaixonou por Arcanjo anos atrás, mas que sonha abandonar a aldeia.

Este romance é baseado num caso real de ataques de leões que o escritor acompanhou,  mas como se pode esperar, é uma história onde o mito e a superstição andam de mãos dadas com assuntos prementes, desde a política e a caça, até à condição da mulher. E simplesmente, adorei-o.
É um livro para ler devagar, para saborear o estilo de escrita do autor que se "apropria" das palavras e lhes dá novos usos. É fantástico como Mia Couto consegue pegar nelas e dispo-las exactamente como quer para nos transmitir exactamente o que pensa. Fiquei fã.
A história em si mantém o toque de realismo mágico esperado, mas como dizia antes, aborda temas prementes, principalmente sobre a condição feminina, já que na aldeia Arcanjo e Gustavo depressa são levados a perceber que deveriam caçar mais do que os animais. Além disso, a mulher e a maternidade estão aqui destacadas, e Mia Couto não nos deixa esquecer a forma como em Kulumani - e em tantas outras zonas, tantos outros países... - a mulher é relegada para um plano inferior ao do pai/marido. Torna-se uma criatura que não tem voz, que não se atreve sequer a sonhar, que no fundo, como nos aponta Mariamar, não "vive".
No final, fiquei com a ideia de que para se caçar o leão/monstro é preciso ser-se pior do que ele, e a verdade é que nenhum animal selvagem iguala a maldade do homem. E mais não digo.

Ler a "A Confissão da Leoa" foi uma experiência de leitura excelente, e recomendo-a, sem dúvida.

Sinopse

E vocês, já leram o livro? Qual foi a vossa opinião?
Boas leituras! 

Um adágio que chamou a minha atenção...

quinta-feira, 1 de março de 2018

"Laços de Sangue", Pamela Freeman

Há livros que acabam no nosso coração de uma forma surpreendente. Este "Laços de Sangue" chegou à minha estante depois de uma feira do livro, há anos atrás. A maioria dos leitores conhece estes casos. Uma pessoa está a revirar os volumes disponíveis na bancada e depara-se com um que até lhe chama a atenção. O livro está a um preço acessível, mas sendo o primeiro de uma trilogia cuja continuação não foi publicada por cá prefere deixá-lo para trás. No entanto, acaba por regressar à feira e não consegue ignorar o dito livro e acaba por o levar consigo. Por uma ou duas vezes lhe pegou, já em casa, e voltou a guardá-lo na estante. Um dia decide dar-lhe a oportunidade e descobre que era mesmo daquela leitura que estava a precisar.

É que "Laços de Sangue" conseguiu ser uma lufada de ar fresco - literalmente. Nele conhecemos Bramble, uma jovem com o seu quê de selvagem que prefere a companhia dos animais e o dia-a-dia na natureza,  e que ainda tem o sangue antigo. Sendo neta de um Viajante, revolta-se contra a forma como o seu povo é espezinhado pelo povo de Acton, os invasores que há mil anos atrás conquistaram aquelas terras à força, massacrando e marginalizando os habitantes originais, que se vêm desapossados das suas propriedades e obrigados a uma vida vagueante pela Estrada. Quando Bramble mata um dos homens do Senhor da Guerra foge para se salvar e precipita uma cadeia de acontecimentos que mudam o seu próprio destino. 
Ash viveu como Viajante desde sempre, mas apesar de ter aprendido cada letra das canções que os pais interpretam ao longo da Estrada, não pode cantar. Sente que nunca pertenceu a lugar nenhum, até ser aceite como aprendiz de segurança de Doronit. O problema é que o preço é matar...
Para além destas personagens, ao longo do livro vamos encontrando Saker, um Vidente das Pedras em busca de vingança, e  vamos conhecendo a história de algumas pessoas com quem os protagonistas se cruzam. Estas últimas partes podem não adiantar de muito para o enredo, mas sem dúvida que o tornam mais rico e ajudam o leitor a ambientar-se com a cultura dos Onze Domínios.

Esta primeira parte da trilogia apresenta-nos ao universo dos Onze Domínios com toques típicos de fantasia, onde gente como Bramble e Ash, ainda é capaz de ouvir os deuses ou ver os fantasmas, mas que é retratado de uma forma tão natural que senti que lia algo mais semelhante ao realismo mágico - se é que tal se pode dizer de um universo que não é nosso, e que de "real" tem apenas a mesma velha "humanidade", com a suas virtudes e defeitos. Fiquei assim com um fraquinho por este livro, onde a atmosfera me lembrou a trilogia "Os Pilares do Mundo", de Anne Bishop, e as descrições vívidas das cidades e da natureza  nos fazem tomar a Estrada com os protagonistas, enquanto convivemos com a sua dor e os seus anseios. É que o tema que permeia o livro não é novo, nem há-de envelhecer: a destruição de uma cultura por um invasor. Sendo a autora australiana não sei até que ponto tal é coincidência.
Só tive pena que mais uma vez é contraposto o povo moreno oprimido ao conquistador alto e loiro, apesar de lógico e de facilmente associável à "realidade". Para além disso, outro aspecto um bocadinho negativo foi o facto de "certos" fantasmas - digamos assim para evitar o "spoiler" - poderem decair num elemento muito fantasioso. No entanto, para comentar melhor tal aspecto, teria que ler os seguintes livros, e se gostasse, o mais certo era perdoar tal coisa. 
No geral, gostei mesmo muito deste livro. Providenciou-me um excelente escape da realidade, mas com alma, e sem dúvida que gostava de conhecer o destino final daquelas personagens. Vou ficar com saudades, e estou tentada a adquirir a versão original...
E vocês, já leram este livro? Qual é a vossa opinião?
Boas leituras!